Cadê o Habite-se que deveria estar aqui?
21/02/2008
Poli/USP faz entulho virar material nobre para construção
21/02/2008

Gaúcho de Veranópolis, Ivo veio para Floripa em 1977, convidado para trabalhar no plano de criação do parque da lagoa do Peri, onde pouco mais de meia centena de famílias nativas tomava conta de uma região que já despertava olhares cobiçosos de fora.
A remuneração era o dobro do que ele ganhava na Unijuí (Universidade Regional do Noroeste do Estado do RS). O prazo do contrato inicial era de menos de um ano, mas Ivo resolveu ficar porque a cidade era tudo o que ex-colegas haviam contado. Ele acabou sendo efetivado no Ipuf.
Por isso, quando perguntado sobre o reiterado desrespeito aos planos diretores em vigor, Sostizzo tem o que dizer: “Acompanho isso desde 1977: todos os prefeitos, nas suas gestões, encaminhavam à Câmara projetos de lei de regularização das irregularidades, fomentando na cidade uma cultura de fabricação de ilegalidades.”
E lembra que, certa feita, Bulcão Vianna chamou-o ao gabinete. Ele encontrou o prefeito com um maço de folhas na mão. “Por que você me mandou isso?”, perguntou Vianna sem esconder aborrecimento.
Sostizzo havia encaminhado ao chefe do Executivo uma carta de 20 laudas com uma denúncia grave, muito bem fundamentada: a continuidade daquela prática instaurava um processo de anulação do planejamento da cidade instituído pelos planos diretores. Durante a conversa o funcionário reafirmou seus argumentos ao prefeito.
Hoje Sostizzo reconhece que pouco mudou. “Para quê a Susp vai fiscalizar irregularidades, se todo mundo sabe que depois elas acabam sendo regularizadas?” E pergunta mais: “Como é que alguém pode “legalizar” uma intervenção, se a lei que a faz irregular continua em vigor?” Ele mesmo responde: “Leis ordinárias – que são ordinárias em sentido duplo – não dão conta de leis complementares”.
Ivo indica o Rio Vermelho, Sítio do Capivari, nos Ingleses, Campeche e Tapera da Base, como as regiões mais atingidas pelo processo de “facilitação” que gerou comunidades sufocadas por uma quase intransponível dificuldade de suprimento do básico. “Nessas regiões já falta espaço até para o sistema viário e calçadas”, constata.
Chama o social
Sostizzo alerta que é elevadíssimo o passivo urbanístico de Florianópolis provocado por essas distorções. Depois da legalização do ilegal, vêm os custos para a infra estrutura mínima dessas ocupações não planejadas, alimentando uma contabilidade que nunca fecha: quem compra o irregular porque é mais barato, depois chama o social – o orçamento público – para arcar com o ônus de completar o que falta.
Ivo concorda que não é fácil mudar esta sistemática e que isso pode demandar 30, 40 anos. Mas acredita que a alteração de tal cenário passa exatamente pela dimensão coletiva do Plano Diretor Participativo.
Ele argumenta que é preciso ir além de simplesmente fazer regularização fundiária das situações consolidadas e recriar regras e acordos de uso e ocupação do solo. É necessário configurar cada região com as suas dinâmicas próprias, de cultura, economia, mobilidade e definir o aproveitamento da orla.
Mas também é muito importante pensar na instituição de uma grande dimensão de controle social, um olho clínico das comunidades sobre si mesmas, sobre suas próprias atitudes. Somente esse auto-controle pode garantir que o modelo concebido, trabalhado e desenhado pelo coletivo, seja efetivamente praticado por todos, dentro do prazo de futuro a que se propõe: as próximas duas décadas, pelo menos.
Pouco povo
Sostizzo admite que é muito baixa a participação da população nos debates do Plano Diretor. Embora ainda não exista um censo, é fácil constatar um índice pífio, especialmente de comparecimento sistemático – pessoas que tem participação efetiva e continuada.
Ele discorda das críticas de que o Ipuf esteja falhando na comunicação social – há reclamação recorrente de uma certa facção engajada do Núcleo Gestor de que o Ipuf não está produzindo mídia suficiente para o processo. “Como se isso fosse a luz que falta para poder iluminar o todo”, rebate o novo corrdenador do PDP. “O planejamento não faz organização social, ele se vale dela”, esclarece. “O processo de plano diretor não tem alcance em curto prazo e nem tem como produzir consciência social imediata.”
O coordenador faz um alerta: “Se o planejamento está frágil e não têm dinâmica de organização, isso é reflexo do estágio em que se encontra a organização social das bases.”
Está certo Sostizzo: participação popular requer um mínimo de maturidade da consciência social. Se há distanciamento das massas em relação ao processo, os primeiros tapetes a serem levantados não são os do Ipuf, mas os da base da pirâmide: os núcleos distritais.
O quê eles estão fazendo para atrair, conquistar e manter sempre mais membros da comunidade dentro do processo? Aglutinar o maior número possível de “cabeças pensantes” locais é a função principal dos núcleos distritais. Mas a verdade é que alguns dedicam-se a fortalecer um pequeno grupo que decide por todos.
Soviéticos
Vamos admitir: Qual é a novidade nisso? Os “processos participativos” que vêm sendo introduzidos no cotidiano da Nação, quase que imperceptívelmente, a partir Constituição “cidadã” de 1988, e da legislação ordinária que a seguiu, pouco ou nada têm a ver com as convicções da maioria da nossa população.
São métodos sob medida para a pratica da democracia dos conselhos populares (soviets) da revolução russa, de fracasso centenário. Foram recauchutados para o primado da militância revolucionária esquerdista das “lideranças de movimentos sociais”, dos “legítimos representantes da sociedade civil organizada”, auto-investidos na função de porta-vozes de todos nós. E a população, sabe-se, mantém-se sabiamente à distância disso.
Em larga medida, a parcela “participativa” do Plano Diretor é formada por esses indivíduos, oriundos da mais genuína militância ideológica, com profunda experiência no ramo. São profissionais do assembleísmo, da criação de falsos consensos que ganham a mídia – por isso reclamam tanto quando ela parece faltar -, formam “opinião pública”, que transformam-se em “bom senso” virtualmente impossível de ser contestado.
Diferente de um bom Plano Diretor para a cidade, os soviéticos têm a missão de esvaziar de força o poder público municipal tradicional, posicionando as regras da sua democracia direta acima das leis que regem a democracia representativa constitucional.
A missão de Ivo Sostizzo é heróica: no limiar do processo eleitoral, ele deve coordenar a formulação de um futuro melhor para todos os cidadãos de Floripa. Apesar dos soviéticos que dominam o Núcleo Gestor.
(Ilha Capital, Janeiro de 2008)

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